- OS MEUS ANOS SESSENTA...".
- Já há algum tempo vinha rabiscando algo sobre os famosos "anos 60". Daí que achei um texto e modifiquei de acordo com as minhas realidades.
- "Conheço muitos jovens com saudades dos anos 60, anos só imaginados através do cinema, livros ou relatos dos pais. Para eles seriam uma época mítica e lendária, os anos rebeldes. Também tenho saudades, mas não era bem assim...
- Não havia internet, Google, fax, celular e muito menos TV a cabo. E os quatro canais existentes começavam a funcionar ao meio-dia e encerravam a programação lá pela uma da manhã. E depois só ficava na tela um desenho estranho e estático nos dando boa noite até o final da manhã.
- Tínhamos que ir à biblioteca para fazermos pesquisas de colégio. Os discos, que eram chamados de "long-plays", de no máximo 32 minutos tinham que ser virados para tocar o lado B. Não havia controle remoto e nem telefone sem fio.
- Os telefones, assim como os táxis, eram sempre negros e muito pesados.
- E não tinham teclas, mas discos rotatórios com números encaixados dentro de buracos circulares onde enfiávamos os dedos. Daí a origem do verbo discar como sinônimo de telefonar. E não tinha "redial", o que nos obrigava a enfiar o dedo e discar de novo e de novo. E como dava engano!
- A onda do telefone era dar trotes. Crianças e adultos passavam trotes bobinhos tipo : "pinico de barro enferruja?" ou "A senhora pode esperar um minutinho?". Depois de 60 segundos de silêncio, o trocista dizia obrigado e desligava com uma risadinha audível...
- Telefone no Brasil sempre foi um problema.
- Para fazer uma ligação telefônica tínhamos que esperar o telefone "dar linha".
- Não havia DDI e uma ligação internacional demorava mais de quatro horas para ser feita pela telefonista. Quando a ligação se completava, nem sempre sabíamos mais do que queríamos falar ou então aquela paixão monumental já tinha virado um simples "flerte".
- Computadores, só os bancos tinham. Gigantescos, ocupavam andares inteiros e só eram compreendidos por especialistas que possuíam curso universitário sobre o assunto.
- Dentista doía, e doía muito...
- Em compensação a música era muito melhor! John Lennon, Jim Morrison, Janis Joplin e Jimi Hendrix, todos os jotas ainda estavam ativos. Muito doidos, mais pra lá do que pra cá, mas vivos. Bob Dylan não era o fanático religioso de hoje e influenciava toda uma geração de "quero-ser-poeta". E o Zé Bonitinho, Golias e o Zé Trindade apareciam na "Praça é Nossa" e até achávamos meio divertido, apesar de bastante kitsch.
- Dava para praticar namoros nas matas de noite sem sermos assaltados por pivetes e nem achacados por PMs.
- Uma calça Levis 501 custava o equivalente a US$ 3,00 na loja Marques de Moji Mirim, paraíso dos importados contrabandeados por pessoas totalmente indefinidas da cidade. O perfume Lancaster vinha da Argentina e todos nós, rapazes da cidade usávamos.O cheiro deste perfume nas festas concorridas era massacrante para as narinas mais sensíveis.
- Do Paraguai só chegava uísque falsificado, isto é, nacional legítimo Made in Assuncion. As camisas eram de Ban-lon, ou de malha com psicodélicos jacarezinhos verdes. E não é que a Lacoste voltou à moda? Aliás, muitos de nós víamos jacarés e macacos verdes e alucinados por aí.
- As calças eram de Tergal, isto é, não amassavam e nem perdiam o vinco e quem comprasse um terno na Ducal ganhava duas calças iguais. O que sempre me fez perguntar o porquê: calças sujavam mais do que paletós ou eram menos duráveis?
- As moças, depois de virarem mocinhas, ainda ficavam incomodadas, até que um gênio da publicidade escreveu: " Incomodada ficava a sua avó!", em anúncio de absorvente. E só havia Modess no mercado. E o que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho? Ou vice-versa? Esta publicidade de tintas marcou. Se alguém lhe citar esta frase, ou é o seu pai, ou um estudante de publicidade ou algum novo velho nostálgico que aprendeu a dizer isto com o pai.
- Em Mogi Mirim haviam dois cinemas, o São José e o Rex, distante no máximo uns 15 minutos a pé A Brigitte Bardot e a Sophia Loren ainda eram umas gatas, e contávamos pin-ups pulando a cerca até cairmos no sono, nossos "wet dreams" noturnos.
- A Sonia Braga, linda aos 18 anos, tirava a roupa (nuínha em pelo!) todas as noites na peça Hair. E o Wilker era só um ótimo ator meio estranho e ruivo.
- As meninas nos dividiam entre os pães e os muquiranas, ou bonitos e feiosos.
- Pão era o Alain Delon. O Paul McCartney também, apesar de que as meninas mais "cabeça" já preferiam o Lennon, que usava óculos, era míope e tinha jeito e cara de intelectual , apelido politicamente incorreto de quem os usavam .
- Mas quem realmente salvou a minha vida afetiva e amorosa foi o ator francês Jean Paul Belmondo. Calma , gente! Belmondo era um feio com nariz estranho que as mulheres achavam "charmoso". E acabou com a tirania da beleza roliúdica dos galãs pasteurizados para sempre e graças a Deus!
- Os litros de leite eram vendidos em garrafas de vidro. Mas só dava para beber leite pasteurizado, isto é, que recebia um tratamento especial. Mas todos tinham que ser fervidos antes de serem bebidos. E não havia esse tal de desnatado: havia o adulterado com muita água e o adulterado com menos água. Leite em pó tinha que ser batido durante minutos com uma colher para dissolver no copo. Era um bom exercício para o muque. Até que surgiu o leite Glória que "dissolvia sem bater".
- E o carro Gordini, um francês fabricado em São Paulo, que todo jovem queria ter, recebeu o apelido de Leite Glória porque também se dissolvia sem bater. Era muito frágil. Os carros só possuíam rádios AM (!) e eram Fuscas, Dauphines, o já citado Gordinis, DKWs (Decavê) e Aero Willis.
- E o elegante Simca Chambord, (Eu tive um,Rss) com mini rabo de peixe e pneu de banda branca como um Cadillac chinfrim e tudo. Mas todos sem ar-condicionado e vidros elétricos. Mais um motivo para exercitarmos o muque que exibíamos por baixo das camisas de manga curta arregaçadas ao estilo James Dean, ou nas praças das cidades próximas onde todos jovens frequentavam a noite.
- Sol naqueles anos dourados não causava câncer, mas mesmo assim nos protegíamos com Rayto de Sol, o único argentino que chegava até nossos clubes. Bons tempos. Camisinhas só eram usadas nas incursões à zonas mui perigosas, nas casas coloridas do sul de Minas.
- As torcidas de futebol só gozavam com as caras dos outros nas derrotas, sem brigas e sem violências, numa época onde porra e pentelho eram palavrões e não ficavam bem na boca de ninguém. Aliás, até hoje porra e pentelho não ficam bem na boca de ninguém...
- Os discos dos Beatles (e filmes) demoravam meses para serem lançados aqui. Mas quando chegavam eram uma festa, festa mesmo com todo mundo dançando twist e yê-yê-yê. As meninas alisavam o cabelo com ferro de passar roupa e só gostavam de garotos de cabelos lisos. Os meninos de cabelos mais rebeldes dormiam com ridículas toucas na cabeça feitas com meias de seda surrupiadas da mãe ou da irmã. E sempre acordávamos com uma marca na testa que só saía da cara da gente lá pela hora do recreio.
- Isto até 1966, quando surgiram os primeiros hippies e seus longos cabelos encaracolados. E foi aí, com os meus rebeldes cachos que arrumei a minha primeira namorada. As câmeras eram analógicas, manuais e muito mocorongas. Photoshop era apenas uma tradução para loja de fotografias, para quem estudava na Universidade Católica ou para quem tinha feito American Fields, isto é, cursado a high school nos cafundós do centro-oeste americano.
- Outra coisa interessante era que dávamos festas onde a grande atração era uma pequena Eletro La com Tampa da Philips (Sonata que era um luxo) ou um imenso gravador de rolo onde brincávamos de gravar as nossas vozes dizendo bobagens, poesias e outras bobagens. "Poxa, minha voz é assim mesmo?" É verdade, a gente ainda não se conhecia tanto.
- E psicanálise ainda era considerada coisa de maluco. Só em 1968 que a análise entrou na moda. E também surgiram as primeiras fitas cassete. Lembro de ouvir o Álbum Branco dos Beatles em uma dessas estranhas novidades. E de achar inovador e genial uma capa toda branca e branca ainda por cima e por baixo.
- Aliás, genial era o adjetivo da moda. Tudo era geniaaaal! Menos os filmes do Julio Bressane que passavam no Cine São José. Eram loooongos e chaaaatos... Havia festivais de bossa nova nos ginásios e auditórios onde cantavam jovens promissores, tipo um garoto tímido chamado Francisco Buarque de Holanda, e mais Eduardo Lobo, Nara Leão, ou uns coroas metidos a garotões como Antonio Carlos Jobim, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Vinícius de Morais. Todos geniaaais!
- Jorge Benjor ainda se chamava Jorge Ben e era só um dos maiores craques do futebol de areia, em Copacabana. Bairro onde também Vinicius morou. Açúcar não fazia mal. Engordava e causava cáries, mas não era o veneno de hoje. Não havia refrigerantes Diet. ou Light.
- Havia um tal refrigerante Grapette, que "quem bebe, repete" cuja principal característica era a de deixar a língua roxa. Roxa como a luz negra que dava ares de Londres ou San Francisco nas nossas festas e nos deixava com uns dentes cor de dente de vampiro. Nas festas, brincava-se de pera uva ou maçã. Pera era aperto de mão, uva, abraço, maçã, beijo. As mais afoitas escolhiam logo salada mista de frutas. Mas nunca dei a sorte de escolher tamanha iguaria...
- Trocava-se de mal apertando os dedos mindinhos, fazia-se as pazes com os polegares. Em uma era pré-Aids fazíamos pactos de sangue. Éramos dramáticos até a morte extrema. E tudo era prenúncio de uma tragédia grega ou de fotonovela italiana da finada revista Grande Hotel. Os atores tinham até fã-clube no país. E causavam suicídios entre as mal-amadas.
- Brigávamos na rua por bobagens tipo "não mete minha mãe no meio, senão eu meto no meio da tua”. E quando alguém do prédio acima jogava água (ou outros) para acabar com a balbúrdia, gritávamos: "Joga a mãe junto, amarrada a um piano!”. Imagino que era para ela cair mais rápido. Ou talvez um certo preconceito contra os "pequenos burgueses" que tinham piano em casa. O quente era tocar violão! Éramos meio edipianos...
- Alguns começavam a fumar bem cedo para se sentirem mais velhos como o Sean Connery, charmosos que nem o Paul Newman, gostosas como a Kim Novak ou Marilyn Monroe. E macho mesmo fumava só cigarro sem filtro, tipo Continental. Vários já viraram saudade nesta onda.
- Eu experimentei um tal de "Cigarros Cônsul" porque era mentolado, mais coloquei de volta o que nem tinha dentro.
- Salvo do câncer, do enfisema e da impotência (ufa!) pelo engasgo e pelo mico.
- Nos cinemas era proibido comer, fumar e beber. E alguns beijos mais afoitos eram devidamente iluminados pelo lanterninha. Se o casal reincidisse no delito era colocado para fora, como Adão e Eva do Cine Paraíso. Muitas boas reputações foram destruídas em matinês...
- Menina que ia à em lugares indevidos a noite ficava falada para o resto dos dias.
- Se fosse de lambreta então, já estava no inferno. E não casava mais. Apesar de que alguns cirurgiões plásticos apregoavam que sabiam como restaurar virgindades. Literalmente.
- Para nós, garotos com espinhas ou sem espinhas, sexo só com as revistinhas de sacanagem do Carlos Zéfiro, que ainda não era Cult e não posava em capa de disco da Marisa Monte. Ou então, com revistas de fotografias que mostravam fotos de mulheres nuas retocadas "lá em baixo" em uma era pré-Photoshop.
- Revista Playboy só as importadas. E alguns pais as mantinham guardadas em cofres, junto com os bônus do Tesouro Nacional. E mesmo assim nelas não podiam aparecer pelos e nem a perereca. Que, aliás, a Dercy Gonçalves, que já era velha na época, tão bem popularizou na música " A Perereca da Vizinha Está Presa na Gaiola". Um clássico do cancioneiro carnavalesco como verá depois.
- “As meninas eram muitos difíceis” e, zelosas da reputação ou com, medo de ficar para "titia" só começavam a atuar bem depois dos vinte. A solução era recorrer às profissionais, que estavam mais para amadoras, com trocadilho mesmo. Ou visitar o quarto daquela empregada mais afoita na calada da noite.
- Naquele tempo não havia diaristas e quase todas dormiam nas casas onde trabalhavam. E tinham que subir pelo elevador dos fundos junto com os "pretos" ou "os de pele moreninha", eufemismo então corrente no país que mal sabia disfarçar um racismo secular.
- O Brasil era uma grande senzala. Era?
- Não havia esse negócio de viajar para praias com o namorado.
- Algumas reputações de Hollywood foram destruídas nos bailes de Carnaval. Todos se lembram do galã másculo Rock Hudson agarrado aos beijos e barrancos com um fuzileiro naval na piscina do Copacabana, enquanto a orquestra atacava de Cidade Maravilhosa. Música que encerravam os bailes, de clubes ou das ruas cercadas por cordas, onde ficávamos dando voltas abraçados nas meninas, vestidos de tirolês, caubóis ou havaianas.
- E pulando ao som de uma bandinha xexelenta (?) tocando músicas de duplo sentido, ou até meio explicitas, tipo: "olha a cabeleira do Zezé, será que ele é...", ou" foi ele que botou o pó em mim". Pó de mico... É claro que as meninas avançadas trocavam o "ó" por "au"... E sempre ajeitando os sarongues.
- Aliás, as sandálias havaianas eram chamadas de japonesas e homem só podia usar as de cores escuras. E mesmo assim só para ir à praia. Camisa vermelha era "coisa de viado", diziam. Ou pederasta, como as famílias diziam dos filhos dos outros. Mas havia muito pai que era cego e não via que seu filho dava umas boas "desmunhecadas" ou jogava "água fora da bacia";.
- A juventude era uma doença que se curava com o tempo.
- Até que, no começo de 1964, a Beatlemania explodiu no mundo e tudo começou a mudar. Pela primeira vez na história, jovens começavam a formar opiniões e a mudar o comportamento vigente da sociedade careta de então. Descobríamos a liberdade. Que não era só um jeans azul e desbotado do anúncio da US Top. Liberdade, liberdade que abria suas asas sobre nós!
- Ela era real e para sempre. Assim, pelo menos pensávamos.
- Mal sabíamos que em 1º de Abril de 1964, o dia da mentira, um golpe militar de direita iria mergulhar o país na mais longa noite , na pior escuridão, no caos e no medo.
- Uma noite que durou 21 anos. Nesta longa e vazia noite, amigos desapareciam, como que encantados por um bruxo mau, para sempre. No que parecia ser uma escuridão eterna, havia uma tênue esperança de luz no fim do túnel. Alguns, mais pessimistas, diziam que era um trem na contramão...
- Pichávamos paredes com palavras de ordem contra os militares. Passeávamos em passeatas, no centro da cidade, que sempre acabavam, em grossa pancadaria, repressão das "otoridades" e muitas prisões. E beijos entre os sobreviventes, livres, leves e até então soltos. Mas a gente era feliz. E sabia disso, mesmo quando vivíamos na fossa. Que, aliás, eram volúveis e voláteis e sujeitas a dias de praia e sol e noites de chuva ou lua cheia.
- Acreditávamos no amor eterno, mas não achávamos que veríamos o século XXI. E 2001, além de ser um grande enigmático filme (para os reles mortais e burgueses que não entendiam bulhufas), era uma data abstrata e distante. Saudávamos-nos uns aos outros com um simples "paz e amor".
- Acreditávamos nisso. E continuo acreditando...
Resolvi escrever este texto para compartilhar com todos a magia das páginas do passado. Começando este trabalho não da para imaginar o que está por vir nem o quanto posso aprender com este projeto. Com certeza estarei aprendendo muito, e espero com este blog ir descobrindo as cortinas de um passado, que seja de interesse real e de muito conhecimento de uma época extremamente mágica. Meus agradecimentos. Vicente Aparecido do Amaral
domingo, 13 de janeiro de 2013
Meus sessenta anos
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